quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces,
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado, quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados, para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face, teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite,
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa,
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só, como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas, serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

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